A tentativa do presidente americano Donald Trump de usar tarifas como arma em uma disputa comercial acabou disparando uma onda de incertezas nos mercados globais. O plano tarifário, aguardado com ansiedade por investidores em busca de previsibilidade, surpreendeu negativamente ao ser mais agressivo do que o pior cenário estimado pelo mercado. O resultado foi uma reação em cadeia: fuga de ativos, colapso das bolsas e elevação dos temores de recessão global.
Antes do anúncio, os investidores ainda tentavam precificar os impactos de tarifas que variavam entre 10% e 20%, de acordo com três possíveis cenários. Contudo, quando a Casa Branca revelou sua tabela de tarifas “recíprocas”, dois pontos geraram pânico: o alvo em parceiros estratégicos como China, Japão e União Europeia, e a média final de tarifação, estimada entre 21% e 23% — patamar acima até do cenário mais pessimista.
A resposta do mercado veio em duas etapas. Na quinta-feira, observou-se uma saída significativa de capitais dos ativos americanos. Na sexta, após o anúncio das medidas de retaliação da China, o ambiente global foi tomado por uma aversão generalizada ao risco, atingindo até mesmo ativos tradicionalmente considerados seguros, como o ouro. O S&P 500, principal índice de Wall Street, acumulou sua pior semana desde o início da pandemia de covid-19, em 2020, e chegou a cair mais de 6% em um único pregão. O índice VIX, que mede a volatilidade e é conhecido como “termômetro do medo” dos mercados, disparou para 45,31 pontos.
Na Europa, os reflexos também foram duros. As ações de bancos puxaram o índice pan-europeu Stoxx 600 para uma queda acumulada de 7,04%, com os investidores temendo uma desaceleração ainda mais intensa na zona do euro. Já no Brasil, o Ibovespa tentou resistir, mas acabou sucumbindo à forte queda das commodities e ao clima global negativo, encerrando a semana com baixa de 3,52%.
Os alertas não ficaram apenas no campo do mercado financeiro. Em meio à turbulência, o banco J.P. Morgan elevou a probabilidade de uma recessão global de 40% para 60% já na noite de quinta-feira. No dia seguinte, revisou para baixo sua projeção para o crescimento do PIB americano: de 1,3% para uma contração de 0,3% em 2025, segundo o economista-chefe Michael Feroli.
Especialistas alertam que o desdobramento das tarifas será determinante para o cenário econômico no curto prazo. Para o Morgan Stanley, se houver recuo nas tarifas e avanço nas negociações, parte da pressão sobre os mercados pode ser aliviada. Mas, se o embate comercial se prolongar e novas medidas forem adotadas, a recessão se tornará uma ameaça mais concreta.
Com o cenário deteriorado, os mercados passaram a apostar em uma atuação mais incisiva do Federal Reserve. Os contratos futuros de juros já precificam quatro cortes de 0,25 ponto percentual ao longo do ano e até cogitam um quinto corte já em maio. Mesmo assim, o presidente do Fed, Jerome Powell, manteve um tom vigilante em sua última fala pública, o que foi interpretado como uma postura mais rígida — ou “hawkish”.
No mercado de juros, os rendimentos dos Treasuries desabaram diante da procura por proteção, e até os títulos de longo prazo passaram a operar com taxas abaixo de 4%. Já no câmbio, o dólar viveu um vaivém extremo: caiu na quinta-feira e disparou na sexta, à medida que cresciam os receios de uma recessão global, alimentando o chamado “Dollar Smile”, teoria que explica a valorização do dólar tanto em tempos de crise quanto de forte crescimento americano.
No entanto, essa lógica começa a ser questionada. O Goldman Sachs, por exemplo, afirma que o “excepcionalismo americano” está sendo corroído por políticas instáveis e pela deterioração das instituições. O banco revisou para baixo suas projeções para o dólar frente a diversas moedas. Estima agora que o euro suba de US$ 1,02 para US$ 1,20 em 12 meses, enquanto o iene deve se valorizar frente ao dólar, de 152 para 135 ienes. Para o real, a projeção caiu de R$ 5,90 para R$ 5,70.
Diante de um cenário em rápida transformação, investidores e analistas observam atentamente os próximos movimentos da Casa Branca e do Federal Reserve. A continuidade do “tarifaço” poderá custar não apenas o crescimento americano, mas o equilíbrio econômico global.