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O mundo anda remoso

A 80ª Assembleia Geral da ONU , aberta oficialmente pelo Brasil, tradição que se mantém desde 1955, tem nos dados bem adimensão das profundas divergências entre os 193 países que a compõem

Fonte: Sergio Tamer, professor e advogado, é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP


A 80ª Assembleia Geral da ONU , aberta oficialmente pelo Brasil, tradição que se mantém desde 1955, tem nos dados bem a dimensão das profundas divergências entre os 193 países que a compõem, sobretudo neste período histórico em que uma “guerra quente” surge como ameaça no cenário internacional envolvendo os principais países do Ocidente em contraposição aos países que se abrigam em uma nova ordem mundial denominada BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que são os países fundadores, e como membros mais recentes Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. Este grupo atua como um fórum para países emergentes discutirem questões de interesse mútuo e buscarem maior peso nas decisões globais. Melhor exemplo desse estado crítico entre as nações foi dado por ocasião da presença, no parlatório da ONU, do líder israelense Benjamin Netanyahu, quando parte da assembleia, inclusive a representação brasileira, se retirou do plenário: está faltando diplomacia para os diplomatas, que se comportaram como se estivessem em uma assembleia estudantil?!…entendo ter sido lamentável e vergonhosa, sob vários aspectos, a posição da diplomacia brasileira que se apequenou com essa atitude negacionista que agride a própria existência da ONU.

O Brasil foi um dos 50 membros fundadores da ONU e teve um papel essencial nos primórdios da Organização. Por coincidência histórica, o gaúcho Oswaldo Aranha, diplomata brasileiro que foi ministro das Relações Exteriores no governo Getúlio Vargas, desempenhou um papel crucial na negociação e aprovação da Resolução 181 queoficializou a partilha do território da Palestina – o primeiro passo concreto para a criação do Estado Judeu, que veio a ser proclamado no dia 14 de maio do ano seguinte (1948). Ele presidiu a Assembleia Geral das Nações Unidas no ano de 1947, ocasião em que foi anunciada a aprovação da referida Resolução 181, também conhecida como Plano de Partilha da Palestina. O mundo saía de uma grave conflagração mundial e entrava num novo período de esperança e convívio amistosos entre os povos que apostavam no multilateralismo para resolver seus conflitos internacionais. O contexto histórico é importante para conhecermos melhor o chão em que estamos pisando hoje, pois em 1947 também nascia a chamada Guerra Fria”, um período de intensa rivalidade geopolítica e ideológica entre os Estados Unidos e a União Soviética, que perdurou até os anos 1991. Ela começou devido à disputa pela hegemonia global entre os dois sistemas políticos opostos – o capitalismo, liderado pelos EUA, e o marxismo-leninismo, pela URSS de Stálin. Era a implementação da Doutrina Truman que conclamava os “povos livres” a fazerem frente à ditadura soviética. O conflito não envolveu um confronto direto e militar entre as superpotências, mas manifestou-se através de conflitos localizados, corrida armamentista, corrida espacial e disputas econômicas e ideológicas. Foi nessa fase da Guerra Fria que os americanos, impulsionados pelo êxito econômico do sistema capitalista, e para conter a expansão soviética, montaram bases militares em pontos estratégicos e desenvolveram um sistema de dependência econômica em relação aos países sob a sua área de influência. Surgia, com esse propósito, o Plano Marshall, um sistema de ajuda econômica dos EUA para reconstruir a Europa devastada pela guerra, ao mesmo tempo em que fortalecia os países para que não se alinhassem à ideologia soviética. O mundo estava, efetivamente, dividido entre esses dois blocos políticos, porém o elevado custo armamentista aliado à dificuldade econômica que o sistema marxista impôs à “cortina de ferro” levou à dissolução da União Soviética em 26 de dezembro de 1991, um dia após a renúncia de Mikhail Gorbachev. Logo o mundo socialista percebeu as vantagens da economia de mercado para gerar riqueza e prosperidade e não tardou a utilizá-la, como a China e a própria Rússia, seguida da Índia e dos chamados “tigres asiáticos” – Cingapura, Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan – relação acrescida, posteriormente, por países como Filipinas, Indonésia, Malásia, Tailândia eVietnã.

Com o recrudescimento do nacionalismo e das políticas protecionistas, tendo à frente os EUA, a cooperação internacional passou a ser um dos grandes desafios atuais ao multilateralismo, o que tem culminado na fragilização de algumas instituições multilaterais. Aliás, as tensões permanentes entre grandes potências, que surgiram a partir desse novo boom econômico que a globalização permitiu, lideradas pela China e pela Índia, e o surgimento de novas tecnologias, tem levantado sérias dúvidas sobre o futuro do sistema. É nessa ambiência internacional transitória, incerta e conflituosa, que Trump faz valer o seu populista AmericaFirst focando, sobretudo, em uma política comercial protecionista, o que fez o mundo girar ao contrário do eixo geopolítico a que estava habituado. Daí porque a COP-30, em Belém do Pará, será o próximo teste desses encontros e desencontros, pois a sua pretensão é nada menos que discutir a ação climática, a redução de emissões, a adaptação às mudanças climáticas e o financiamento para países em desenvolvimento. E para se contrapor a esse cardápio político indigesto, nada melhor que desopilar o fígado com alguns pratos regionais que tem a sua origem na culinária indígena, a exemplo do pato no tucupi, a maniçoba, e o tacacá. E para provar que nem tudo é “remoso” no universo amazônico, ao contrário das relações políticas internacionais, as delegações dos quatro cantos do mundo poderão apreciar ainda o pirarucu assado, o arroz de aviú, o camarão no jambú, tudo devidamente acompanhado do indispensável vinho de açaí e da peculiar farinha de mandioca. Na sobremesa, os sorvetes de araçá, taperebá, cupuaçu, bacuri, uxi e sapotilha completam a ágape. Se mister Trump quiser testar a sua química com Lula nesse ambiente cultural tupiniquim e marcar presença, a COP-30 será um êxtase!! Evoé!!!

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