As ondas de calor intensificadas pelas mudanças climáticas têm imposto novos desafios à saúde, sobretudo entre os grupos mais vulneráveis, como idosos, crianças e portadores de doenças crônicas. Segundo especialistas, além do calor extremo em si, alguns medicamentos de uso comum podem comprometer os mecanismos naturais do corpo para regular a temperatura, aumentando o risco de complicações graves.
Em condições de calor elevado, o corpo humano ativa mecanismos como suor, aumento do fluxo sanguíneo na pele e ajustes no balanço de fluidos para manter a temperatura estável. Entretanto, diversos fármacos prescritos para condições cardíacas, renais, metabólicas e psiquiátricas interferem nesses processos.
“Durante as ondas de calor há aumento significativo da mortalidade entre idosos, pacientes crônicos e crianças. São os chamados grupos vulneráveis ao calor extremo”, alerta o médico Henrique Grunspun, presidente do Centro de Bioética do Hospital Israelita Albert Einstein.
O especialista explica que, em episódios prolongados de altas temperaturas — quando as máximas ficam 5 °C acima da média por quatro dias seguidos —, há risco de hipertermia, quando a temperatura corporal ultrapassa 40 °C, podendo causar colapso neurocirculatório e até levar à morte.
Entre os medicamentos que mais exigem cautela estão os diuréticos, usados para tratar hipertensão e doenças renais. Em dias quentes, eles aumentam a perda de líquidos, o que pode provocar queda de pressão e desmaios. “Quando o corpo já está suando, o uso de diuréticos potencializa a desidratação”, explica a farmacêutica Maria Fernanda Barros, do CRF-BA.
Já os antihipertensivos, usados no controle da pressão arterial, reduzem a sensação de sede e a dilatação dos vasos sanguíneos, dificultando a dissipação de calor. O mesmo vale para os antidiabéticos como metformina e inibidores de SGLT2, que favorecem a perda de líquidos e podem mascarar sintomas de hipertermia, além de comprometer a eficácia da insulina se mal armazenada em altas temperaturas.
Pacientes com transtornos psiquiátricos e neurológicos também estão mais expostos. Segundo a farmacêutica Amouni Mourad (CRF-SP), “esses medicamentos reduzem tanto o suor quanto a sede, o que limita a dissipação de calor e aumenta o risco de desidratação severa”.
Há ainda medicamentos que elevam diretamente a temperatura corporal, como os anticolinérgicos, usados no tratamento do Parkinson, e alguns estimulantes prescritos para TDAH, incluindo o metilfenidato e a quetiapina. “Indivíduos com TDAH, especialmente crianças, já têm temperatura corporal naturalmente mais alta, e o uso desses remédios pode intensificar o quadro”, explica Mourad.
Apesar dos riscos, especialistas reforçam que nenhum tratamento deve ser interrompido sem orientação médica. A farmacêutica Karin Juliana Bitencourt Zaros, do CRF-PR, ressalta que os efeitos variam conforme cada organismo e o conjunto de medicamentos usados. “Essas reações não ocorrem em todos os pacientes. Cada caso deve ser avaliado individualmente pelo médico ou farmacêutico responsável”, afirma.
Para reduzir os riscos, o médico Henrique Grunspun recomenda ambientes ventilados, hidratação frequente e evitar exposição solar prolongada, sobretudo para idosos que vivem sozinhos ou em instituições.
“É importante que vizinhos, familiares e profissionais de saúde comunitária fiquem atentos aos sinais de desidratação e hipertermia. A vigilância social também é uma ferramenta de prevenção”, orienta o especialista.
Com o avanço das mudanças climáticas e o aumento da frequência das ondas de calor, especialistas reforçam que a educação em saúde e o acompanhamento de grupos vulneráveis serão cada vez mais cruciais para evitar tragédias silenciosas provocadas pelo calor extremo.