Por Sergio Tamer, professor e advogado, é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP
Um dos ataques mais frontais a um sistema democrático tem sido o seu elevado grau de insegurança jurídica. Atualmente, conforme divulgado pelo site jurídico Jota, o Brasil está no nível 35 em uma escala de zero a cem. Isto é, um índice muito baixo para um país que se jacta em ter “40 anos de estabilidade institucional”. Professores do INSPER – Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo, avaliaram a percepção do setor privado sobre a segurança jurídica e regulatória no Brasil, utilizando diferentes perguntas para mensurar diferentes dimensões, como a “previsibilidade e consistência jurídica, a eficiência do sistema jurídico, a estabilidade legislativa e regulatória e o impacto econômico e empresarial”.
Muitos têm sido os trabalhos acadêmicos no Brasil denunciando a ausência de segurança jurídica. O jurista Lênio Streck, por exemplo, já denunciava esse ataque à democracia brasileira desde a época em que o então réu Lula da Silva estava sob a inclemência dascordas do látego. Os fundamentos do seu famoso artigo “ Check list: 21 razões pelas quais já estamos em Estado de exceção”, curiosamente ainda hoje podem ser apreciados. Pena que o influente e eloquente autor, por incoerência e partidarismo, já não dê mais um pio sequer sobre o assunto. Em todo caso, por sua atualidade, vale replicar uma de suas formulações sobre o tema: “O Estado de exceção ocorre quando determinadas leis ou dispositivos legais são suspensos (no sentido de não serem aplicados). Ou seja, alguém com poder põe o direito que acha adequado para aquele — e cada — caso.”
Ora, a segurança jurídica é um dos pilares fundamentais do Estado de Direitopor garantir previsibilidade, estabilidade e confiança nas relações sociais, políticas e econômicas. Em todas as democracias do mundo possuidoras de elevado nível, a segurança jurídica permite que cidadãos e empresas planejem suas ações com base em normas estáveis e conhecidas, evitando surpresas e arbitrariedades. Sob outro ângulo, assegura que direitos já consolidados sejam respeitados, o que fortalece a confiança nas instituições.Para tanto é necessário ter regras claras e aplicadas de forma justa pois isso é fator de elevação da credibilidade do sistema judiciário e do Estado. Outro aspecto importante da segurança jurídica é o seu estímulo à economia, uma vez que investidores e empreendedores têm mais segurança para aplicar recursos em um ambiente jurídico estável. E normas claras, com sua aplicação uniforme, diminuem litígios e facilitam a resolução de disputas.
O próprio Lênio foi implacável naqueles tempos de violação aos princípios da segurança jurídica: “Tudo começou com o ativismo e a judicialização da política… para chegar ao ápice: a politização da justiça.Imparcialidade e impessoalidade: eis o que se espera de quem aplica o direito. E isso já se erodiu.”
O látego mudou de mãos, e hoje o poder em torno de Lula é quem segura o seu cabo. Nada disso, porém, tem sido bom para a saúde de nossa tenra democracia. As garantias incorporadas nas constituições são como fontes de legitimação jurídica e política das concretas decisões, sobretudo no âmbitopenal. Nesse ponto, apoiado no pensamento de Dworkin, o sempre citado Ferrajoli afirma que precisamente porque os direitos fundamentais e suas garantias são “direitos e garantias frente à maioria”, também o poder judicial, a quem se encomenda sua tutela, deve ser um poder virtualmente “frente à maioria”.
A leitura do mestre italiano serve de reflexão, nestes tempos de vaidades exacerbadas e de busca de protagonismos midiáticos, onde medra a prática de um “punitivismo populista”, para que nossos juízes não caiam na tentação de fazer uma espécie de “ativismo judicial às avessas”, pois, ao atropelar os direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, retiram, em última análise, a própria legitimidade da jurisdição.